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sábado, 11 de julho de 2009

Deborah Brennand-Poemas



Cecília
Costa


Deborah Brennand, 80 anos de poesia
11/10/2007


!Vivendo e descobrindo, sempre. Quando estive em Porto de Galinhas, recentemente, para participar da III Fliporto, na tarde de sábado, uma senhora, muito bela, com cabelos brancos amarrados e rosto expressivo, estava autografando seu livro "Poesia reunida", de mais de 700 páginas. Tratava-se de Deborah Brennand, a esposa do pintor e escultor Brennand.

Todo mundo, aqui no Sul Maravilha — que atualmente não é tão maravilhoso e mitificado quanto no passado, tantos são os problemas que nos cercam, tão graves quanto os do Nordeste — conhece Brennand e costuma, quase que obrigatoriamente, visitar sua casa e ateliê nos arredores do Recife, ao fazer um passeio turístico pela cidade que nos legou tantos poetas, artistas e escritores, banhada pelo Capiberibe e pelo Beberibe. Mas acho, lamentavelmente, que são poucas as pessoas, no Rio e em São Paulo — e eu me incluo entre elas, até há cerca de dez dias —, que sabem que Deborah Brennand é poetisa, tendo criado versos fortíssimos, de luxúria e lamento, enquanto cuidava de seu maridinho, filhos e netos, e de seu Engenho São Francisco.

Já que muito do que se passa no Norte e no Nordeste não ecoa, infelizmente, nas demais capitais do País. Territorialmente, somos grandes demais, talvez, o que faz com que as trocas e intercâmbios muitas vezes se percam no meio do caminho.

Por isso, eu considero muito importante a iniciativa do Governo de Pernambuco de ter aceitado a idéia de professores e pesquisadores da Universidade Federal do estado, ligados ao Grupo de Trabalho Mulher e Literatura, de reunir num livro os sete livros de poesia já publicados por Deborah Brennand, com a obra sendo um marco comemorativo de seus 80 anos. Entre as pessoas envolvidas no projeto, destaco o aluno bolsista Márcio de Oliveira, que estudou os poemas da grande poetisa pernambucana ao longo do segundo semestre de 2006 e escreveu o posfácio do livro; as professoras Luzilá Gonçalves Ferreira e Lucila Nogueira, que estão sempre a tentar quebrar o silêncio que envolve o trabalho literário das mulheres, e Flávio Chaves, Diretor da Companhia Editora de Pernambuco.

O tomo, com uma capa requintada em tom sépia e uma maravilhosa imagem angelical de Deborah na juventude, dentro de um oval, pode, apesar de sua beleza gráfica, assustar um pouco, por ter ficado extremamente pesado. Mas seu conteúdo, para quem ainda não teve a oportunidade de se aproximar da visceral lírica desta senhora, dona de voz poética muito pessoal e peculiar, é uma revelação. Rubra como a seiva de nossas veias, atordoante e dourada como o sol, triste como a mais negra solidão. Nele, estão reunidos os seguintes livros: "O punhal tingido ou O livro das horas de Dona Rosa de Aragão" (1965), "Noites de sol ou As viagens do sonho" (1966), "O cadeado negro" (1971), "Pomar de sombras" (1995), "Claridade" (1996), "Maças negras" (2001) e "Letras verdes" (2002). Contém também alguns ensaios, abrindo os livros, como o de Roberto Alvim Corrêa e Ariano Suassuna.

Acho que o melhor que fazemos, no caso de Deborah Brennand, uma octogenária cheia de vida, obcecada pela passagem do tempo, a prisão da alma e ventanias, é deixar sua poesia, doída e sanguínea falar. Por isso, vou transcrever aqui dez poemas.


Prisão

Vencendo muros de pedras
Flameja do sol o brasão
Ó real castelo em dia aceso,
Ó ruivas folhas do soberano verão
Ó tempo não apertes a corrente
Do meu sonho já agonizante
Crestada é a terra e perto
Deságua um rio de sangue
Na pastagem morta

Do meu coração


Cruel mensagem

Morto foi o sonho de um jardim
Por um verão servil, de cruel mensagem
E eu vi raízes, a vida agonizando,
Na lâmina acesa de um punhal.

Os musgos, as heras, as papoulas,
Manchavam a grama seca.
E lírios, junto ao sangue das rosas,
Magoados eram o pasto

De cavalos alheios e famintos.


Réplica de uma descendente
holandesa ao poeta César Leal

Se cheguei ao teu país, bem mereci.
Por mais que ocultes, domei perigos.
No mar pesado, em leves caravelas,
Minha pele feri nas lanças do teu sol.
A floresta brava, as facas nativas
Mataram em vão a aventura da minha raça
E, do ancestral sangue, quase desfeito,
Ressurge ainda, entre flores escuras,
A rosa nobre, alva e sucular.


Igual a mão

Velhas cortinas de renda
Por sonhos bordando brasões
Agulhas trançaram ouro e linha
Em sombras fugazes de flores
Fantasmas de um morto verão.

Cobrindo vidraças, embaçando a vida,
Escondes desvarios, alucinações,
Olhares perdidos de condessas
Caminhos ocultos na distância
E o vento forte, agitando o pano

Com a rudeza de sua mão.


Que será de mim?

Sol de fogo, luz rubra de medo.

Brilham verdes mil ramos de folhas.
O mormaço espanta vôos de sombras
e no sítio surge o canto da graúna.

O céu se queima em nuvens,
mas, nos canteiros de um jardim,
rosas saúdam o vento com pétalas
E o longe se vê agoniado
e de salsas roxas enlaçado
nos arames farpados da cerca.

Sol de fogo, luz rubra de medo,
se os montes tropeçam o que será de mim,
perdida, indo neste vale aceso?


De amarelo

Hoje devo me vestir de amarelo:
espantar os olhos negros da solidão,
tal a luz do girassol de ouro dourado
que abre pétalas iluminando nuvens.

Quem saberá (nem ela mesma) o artifício
usado para enganá-la? Sonhos? Jardins?
Não digo. Hoje me visto de amarelo
e vou, nos ramos, entoar da ave o canto.

Quero espantar olhos de solidão
que vem das grutas e abandona montes
para comer a relva rubra do meu coração.
Mas hoje, de amarelo, espantarei a fera

Fugindo, à procura de outra vítima:
Quem sabe, a mata?


Sempre

Assim, além da cerca, eu espero,
O quê? Não sei. Espero.
Embora só o vento chegue
todo arranhado, em gemidos,
caindo e já sem sentidos

Jogue aos meus pés as folhas secas.


Não é crime

O degredo das flores
da umidade da mata
para uma varanda acesa
em arcos verdes

É permitido.

Atar os ramos em sombras?
e desatá-los na colina
ou varrer as cinzas de fogueiras
Na clara tarde de março

Ainda, ainda

Mas aquele pássaro voltando
querendo entrar na gaiola
já do lado de fora, do lado das rosas
é uma afronta às nuvens e à brisa.

Assim, matá-lo não é
Crime.


Luto

Quem, vestida de negro, olha o mar?
No ombro, uma rosa de seda
agüenta a raiva do sol sem murchar.
Mas, um resto de vagas,
suja de sangue alvo
as quilhas dos barcos
amarrados em outra primavera.


Você prometeu

As vigas da casa
vão ser de aroeiras

polidas sem fim

Há sob as telhas
morcegos e aranhas

em traves puídas.


Depois, na multidão,
você me expôs de roxo.

Todos viram.

Ninguém disse:
— Esta não é a sua cor

E eu de vez entristeci.

Você esquece promessas:
ia erguer uma fonte

Jorrando céus


E nas lajes carcomidas
O pátio se alarga de vazio.

Na certa, ainda diz:

Ela é assim
Sabe viver sozinha.

Mentira

Agora mesmo me visitam
pombos, guinés, andorinhas

Que bela companhia.

(Página da ABI enviada por Lucila Nogueira, com os poemas , que recebi de Delanieve Daspet, embaixadora de Poetas del Mundo, no Brasil-em 26/10/2007 )

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